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UM DIA QUALQUER DEPOIS DE ONTEM.
Luís Lago

Depois deixávamos este rio e, sorriso aberto sob o brilho do dia, iniciávamos um sobe-e-desce pelas ladeiras das ruas.
Era um perambular alucinado, sem outro fim a não ser estarmos juntos, mãos unidas, corpos colados e corações saltando aos pedaços.
E fingíamos tão bem que o padre cria piamente, como cria em Deus-Todo-Poderoso, que a nossa presença diária fosse uma devoção cega ou promessas bem firmadas. Mas no fundo mesmo, com os nossos olhos cerrados, estávamos revivendo todas as horas, todos os minutos, todos os segundos do nosso apaixonado viver.
Naquele tempo, cortando a cidade, havia uma estrada de ferro que vinha não sabíamos de onde mas ía para quase pertinho de Santos, pelo que diziam todos. Eu e ela nos divertíamos vendo o trem passar com seus vagões desengonçados, e vendo a fumaça da locomotiva desenhar nos céus coisas sem nexo algum.
Certa feita, quando o trem já desaparecia na curva, ela gritou:
— Sou a princesa deste Reino! Lá se vai minha carruagem!
— E eu sou su criado, Alteza –retruquei, bonachão.
— Idiota… –ela me disse, muito séria –princesas não têm criados; elas têm princípes encantados… E é isso que você é!
Recordo-me que a minha meiga princesa não tinha manto real mas sim um simples e largo vestido de chita, surrado pelo tempo de uso e sempre encardido pelos nossos folguedos. Lembro-me bem que quando os ventos endiabrados de nossa cidadela nos açoitavam, seu vestido erguia-se e deixava à mostra pedaços marotos de suas pernas finas, fazendo meus olhos se encherem de graça e meu coração pequeno arder em fogo intenso. Mas me lembro, também, que certa feita ela partiu em sua carruagem de ferro para nunca mais. Acreditei na época, e com muita dor, estivesse ela brincando por entre as núvens que se misturavam à fumaça de sua locomotiva e aos recantos de nosso riacho.
